Alcoolismo oculto: a dependência que se mascara de normalidade

Na prática clínica contemporânea, especialmente na interface entre saúde mental e dependência química, temos testemunhado o crescimento silencioso de um fenômeno preocupante: o alcoolismo de baixa visibilidade clínica. Diferente das representações clássicas — marcadas por intoxicações evidentes, prejuízos sociais agudos ou múltiplas internações — este perfil se desenvolve de modo insidioso, mascarado por discursos de funcionalidade e naturalização do consumo.

Trata-se do sujeito que “trabalha normalmente”, que “bebe só aos fins de semana”, mas que recorre ao álcool como único recurso de regulação emocional, como válvula de escape para estresse crônico ou como anestésico frente à angústia e frustrações. É o alcoolismo que se apresenta sob o manto da “vida normal”.

🔍 O diagnóstico que não se vê: o TUS encoberto

O Transtorno por Uso de Substância (álcool), segundo os critérios do DSM-5, pode ser caracterizado pela presença de ao menos dois critérios diagnósticos em um intervalo de 12 meses, envolvendo aspectos como:

  • Consumo em maior quantidade ou por mais tempo do que o pretendido;

  • Desejo persistente de cortar ou controlar o uso, com insucessos repetidos;

  • Uso continuado apesar de prejuízos sociais, interpessoais ou ocupacionais;

  • Craving (fissura);

  • Tolerância e abstinência fisiológica.

Na clínica, muitos pacientes não se reconhecem como dependentes porque não se encaixam na caricatura do “alcoólatra clássico”. Em vez disso, racionalizam seu uso através de mecanismos de defesa como negação, minimização e projeção.

🧠 Impactos invisíveis e sofrimento psíquico

O uso reiterado do álcool como forma de automedicação emocional fragiliza as funções executivas, compromete a memória de trabalho, reduz a capacidade de tomada de decisão e afeta o julgamento ético. Há ainda uma íntima associação entre uso problemático de álcool e quadros de ansiedade generalizada, depressão recorrente e transtornos de personalidade (como o borderline) — sendo comum a ocorrência de comorbidades.

Além disso, os impactos familiares são severos, mesmo quando silenciosos. Filhos de dependentes “funcionais” crescem em ambientes emocionalmente instáveis, marcados por ambivalência, imprevisibilidade e insegurança afetiva.

📌 Considerações clínicas

Reconhecer o alcoolismo oculto exige escuta clínica qualificada e avaliação minuciosa da funcionalidade subjetiva do paciente — e não apenas de seu desempenho social aparente. Técnicas como a Entrevista Motivacional, Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e DBT são eficazes quando o vínculo terapêutico é bem estabelecido.

É possível tratar, reestruturar padrões e oferecer uma vida mais estável e significativa. Mas o primeiro passo é romper o silêncio clínico e social que sustenta esse tipo de dependência.

Se você é profissional da saúde, familiar ou se reconhece em alguma dessas descrições: procure ajuda especializada. O silêncio é o maior cúmplice da dependência.

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